Quando eu tive essa epifania sozinho, durante uma sessão de “1 like = 1 opinião impopular” no Facebook, eu me achei um puta gênio. Qual não foi minha surpresa, reunindo material para esse texto, ao descobrir que na verdade essa ideia já existe há 5 anos! Lá se vai meu momento.
Mas ainda assim! As crianças dos anos 90, assim como eu, seres eternamente presos à nostalgia e incapazes de consumir qualquer coisa que não seja um remake de algo que veio desse período, certamente se lembram do desenho Johnny Bravo. A obra, criada por Van Partible em 1997 e transmitida ad aeternum pelo Cartoon Network, retratava a vida de um musculoso, alto e engraçado rapaz chamado… bem, Johnny Bravo, e sua incessante busca pelo verdadeiro amor. Em meio a situações cômicas do cotidiano, bem como sessões de violência explícita por trás das grandes rivais de Johnny, as mulheres, o macho alfa trilhava o seu caminho rumo ao matrimônio sagrado.
Ou pelo menos era assim que a cabeça de muitos de nós, meras crianças criadas em uma sociedade largamente patriarcal, interpretava o desenho. A grande verdade é: a teoria de que Johnny Bravo é um desenho alinhado com ideais feministas não é apenas uma hipótese, um “será que…”, mas sim algo que fica bastante claro se você parar pra pensar.
Johnny Bravo representa, esteticamente, um padrão de masculinidade que não só era evidente na sua época como também se faz presente até hoje. O topete loiro, a camiseta preta colada ao corpo que, de tão musculoso, chega a parecer a forma final de qualquer vilão de Dragon Ball Z, a calça jeans e o sapatênis, o óculos escuro… não há uma linha sequer do design de Johnny que não remeta a, com o perdão da expressão saturada, um heterotop de marca maior.
Mas o que evidencia a ideia de “macho alfa” dos criadores do desenho é a personalidade de Johnny. Pra começo de conversa, ele é uma porta. Não só pelo seu físico, mas por ser burro. Não tem dois jeitos de dizer isso. Johnny é burro, infantil, e muitas vezes é retratado como socialmente inepto. Além disso, ele é um narcisista, obcecado com sua própria beleza e incapaz de passar por uma superfície refletora que seja sem elogiar sua própria imagem.
O que Johnny vive de fazer, em todo santo episódio, é cantar mulheres. Ele seria capaz de largar a apresentação da sua tese de mestrado pra assoviar para uma mulher atraente na rua. Como de se imaginar, sua abordagem é invasiva, agressiva, desrespeitosa e até, em um caso ou outro, criminosa. Não só Johnny faz zero esforço para esconder o quanto ele vê aquela mulher como um item de colecionador, ele também não oferece muito espaço para conversar com ela, preferindo entrar em monólogos sobre seu bíceps e topete loiro enquanto espera que a pobre coitada vá automaticamente cair na dele.
“Surpreendentemente”, Johnny nunca obtém sucesso em suas investidas. Aliás, um ponto forte desse show é o fato de que as mulheres que o recusam, quase sempre, estão armadas (objetos contundentes, tasers, armas brancas, que seja) ou dominam alguma forma de luta. O desenho, desde sempre, promoveu a ideia de que as mulheres precisam desenvolver táticas de autodefesa para combater o assédio.
Porém, novamente, crianças dos anos 90. A gente nem sabia o que era feminismo direito, ou pelo menos a maior parte de nós não sabia. Esses debates eram tidos em escala muito menor, e a internet ainda era tão nova e limitada quanto nós. O que aconteceu foi que Johnny Bravo acabou se tornando um ícone, não de forma irônica, mas como alguém a ser de fato emulado. As mulheres, então, ficaram como “vilãs” da história. Exageradas. Dar choque num cara? Só porque ele ficou 30 minutos em cima dela, babando igual uma hiena, enquanto ela… existia… no Planeta Terra?
Mas enfim, tangentes. Três críticas posteriores ao estereótipo da masculinidade podem ser representadas pelas pessoas mais próximas de Johnny: primeiro, sua mãe. Apesar de ser um adulto bastante fixado em demonstrar superioridade sobre os outros, Johnny não trabalha e mora com sua mãe, a qual o mima como se fosse uma criança. Aparentemente, Johnny não vê problema algum nisso, reforçando a ideia de que a dita “superioridade masculina” é uma digressão advinda da imaturidade.
Segundo, Cacá. O jovem nerd é amigo de Johnny, talvez seu amigo mais próximo na série, mas Johnny passa a maior parte do tempo o maltratando. Apesar de passarem tempo juntos, quando não há “risco” nenhum para a reputação de Johnny por ser visto com um nerd, na maior parte do tempo o machão prefere emascular seu amigo e enaltecer a sua suposta “chatice” por ser diferente dele. Cacá representa o total oposto de Johnny, em comportamento, estilo, fala, etc, mas especialmente no sucesso com as mulheres. A ideia de que “o certo é ser nerd e não bombadão” para ter sucesso com as mulheres é um bocado forçada, mas, né. Anos 90. Debate engatinhando ainda. E, no geral, a repulsa que Johnny sente pela companhia de Cacá quando há mulheres por perto serve como crítica à masculinidade tóxica, sublinhando falsidade, narcisismo e abuso emocional.
Por fim, Suzy. A vizinha de Johnny, uma criança de provavelmente 10 anos de idade, adora o rapaz e constantemente tenta chamar sua atenção, chamando-o pra brincar e fazer outras coisas que crianças de 10 anos acham legais, mas adultos provavelmente não muito. Há indícios de que ela tem uma queda por Johnny, mas nem fodendo entraremos nesse mérito aqui. O fato é que Johnny, como esperado, não dá a mínima para o fato de que Suzy é apenas uma criança de 10 anos. Ele não poupa palavras para dizer o quão chata ele acha que ela é, recusa todos os convites a princípio, e quando aceita, não faz questão alguma de esconder seu desgosto em estar lá. Mesmo que Suzy quase nunca tenha ativamente atingido Johnny, ele a detesta. Isso realça a ideia de que o “macho padrão” é incapaz de ter uma amizade com uma pessoa do sexo oposto, vendo-a ou como um pedaço de carne ou um incômodo ambulante.
Talvez a principal evidência anedótica das críticas do desenho seja o episódio “Witch-ay Woman”, em que Johnny assedia uma feiticeira. Visivelmente irritada, a maga amaldiçoa o protagonista, transformando-o em uma mulher — apropriadamente chamada de “Jenny Brava” — e declarando que o único meio de quebrar o feitiço seria aprendendo a respeitar mulheres.
Não existe um jeito mais “Explique Como Se Eu Tivesse 5 Anos” de se mostrar o intuito da série como um todo. O final feliz, com direito a música, foi um momento que definitivamente não recebeu o respeito que merecia. Outra instância de “vejam como ele não merece amar” ocorre no episódio “Fool For a Day”: Johnny tenta impressionar a professora de Suzy para sair com ela, é pego nas brincadeiras de Primeiro de Abril dela, de Suzy e de sua turma, e fica furioso.
No dia seguinte (ou seja, fora do dia da mentira), a professora revela a Suzy que tem, de fato, um crush em Johnny e pretende sair com ele, mas Johnny a encontra e devolve as suas frustrações na mesma moeda, pregando peças fisicamente violentas nela, sem perceber que não era mais o dia apropriado. Naturalmente, ele volta pra casa com as mãos vazias.
No fim das contas, dado o contexto e o meio em que o desenho surgiu, é bastante impressionante que ele tenha sido tão contundente nas suas críticas ao machismo. Eu sempre disse que Johnny Bravo era um desenho à frente do seu tempo: antigamente, por causa do humor, e agora, mais consciente, por causa da sua mensagem social ousada para a época. Tivesse o desenho saído hoje, talvez ele tivesse mais fãs e a mensagem fosse mais ouvida, mas, ao mesmo tempo, muita gente não ia calar a porra da boca sobre os supostos “defeitos” de promover uma pauta livremente em um desenho livre. E é sempre bom dizer isso: mesmo após descobrir esse fato, o desenho continua engraçado. Não se perde nada da qualidade da animação e roteiro simplesmente por descobrir que há uma crítica. É bem simples.
É de se pensar se tudo aconteceu conforme deveria ou não. Agora cês me dão licença. Tem um cara muito gato aqui no espelho e eu vou chamar a polícia. Hup-hup!